Il dolce far niente

Juliana Bahia

Quando os meus filhos eram crianças às vezes eu os chamava para sentarmos juntos na rede e ficarmos em silêncio um pouquinho, sem fazer nada, só olhando, sentindo a brisa da tarde, ouvindo os passarinhos.

Nessa época morávamos na Barra do Sahy e a vida corria em outro ritmo. Como era de se esperar, eles não gostavam muito dessa história de sentar na rede e ficar em silêncio. Mas os pezinhos agitados balançando de um lado para o outro e as reclamações de “ah isso é muito chato” iam parando e mesmo se o tempo fosse curto, eu sabia que aquilo era importante: saber ficar em paz só com você mesmo.

Percebo a forte tendência que existe nos grandes centros urbanos de sempre estarmos fazendo alguma coisa. Mesmo quando temos tempo livre tratamos logo de preencher os espaços com compromissos, ainda que sejam compromissos para relaxar.

Será que desaprendemos a desfrutar de de tempo livre de verdade? O que está acontecendo que estamos com essa necessidade tão grande de sempre fazer alguma coisa? Será que é uma forma de preencher um grande o vazio interior? Perdemos a habilidade de lidar com o vazio? E, mais importante para agora: precisamos mesmo sempre fazer alguma coisa?

Ouço muitas pessoas dizendo que querem desligar a mente mas não conseguem. Também relatam que se sentem exaustas — apesar de dormirem e descasarem.

Surge assim uma busca, natural e necessária, para a solução destes sintomas de estresse, ansiedade e burnout.

O resgate do hábito de pausas para “não fazer nada” é algo super importante. Essas pausas contribuem para processarmos emocionalmente as experiências anteriores, baixarmos um pouco a aceleração mental e tomarmos uma certa distância para entendermos melhor os problemas e as preocupações e depois, retomarmos esses mesmos pensamentos com mais clareza.

Tenho visto vários convites para pausas, e isso é ótimo! O que me chama a atenção é que a maioria consiste em fazer alguma outra coisa e que muitas vezes é um produto a ser consumido.

Não estou criticando esse tipo de convite, em especial porque reconheço a validade e importância de alguns deles. Mas, quero relembrar que tem um monte de coisas super simples, boas e necessárias que podemos e devemos fazer para ajudar nesse processo de aliviar um pouco a pressão da vida urbana. Relaxar pode ser também simplesmente não fazer nada. Não precisa, necessariamente, ser um produto a ser consumido.

Li a pouco um artigo de uma revista no qual a colunista contava que tinha acabado de voltar de uma temporada de uma semana em um spa e o quão bom tinha sido essa pausa. Trata-se de um estabelecimento que faz um trabalho super sério e competente na área. Deve ser muito legal mesmo, e poder fazer essa pausa é maravilhoso. Mas você sabe que isso custa quase 25 mil reais? Eu sei porque já tive vontade de ir lá.

Quando descobri o valor achei por bem rever meu desejo e valorizar mais o meu pequeno spa pessoal chamado minha casa, porque a verdade é que no final da estadia não haverá massagem, não haverá aromaterapia, não haverá nada tão potente quanto a sua atitude interior de saber parar um pouco. Saber contemplar, Il dolce far niente: de graça, vegano e sustentável. Risos.

Enquanto seguirmos com a atitude consumista e estressante para lidar com a necessidade de relaxar estaremos simplesmente retroalimentando a roda infinita do cansaço patológico. Porque, de novo: não tem pausa para autocuidado que dê conta de fazer por você o que a atitude interior pode te entregar. Como diz minha amiga Mara, não basta ter o tempo livre (ou o dinheiro!) para fazer a pausa. É preciso saber fazer essa parada!

Reforço que existem várias coisas boas e importantes que podemos consumir no intuito de aliviar a tensão do dia a dia e reaprender a desconectar um pouco. São sim importantes, em especial porque os estímulos para o contrário são muito presentes. Se puder, vá no spa. Mas não dependa dele.

Muitas pessoas vem buscando meditação e yôga para resgatar essa habilidade de desacelerar a mente. E um exercício bem simples, que convido meus alunos a fazerem fora da sala de práticas é justamente vivenciar no seu dia a dia momentos de pura contemplação. Sabe aquele bom e velho assistir ao por do

sol, sem foto, sem post? Observar um pouco as pessoas caminhando apressadas na cidade, sem mexer no celular enquanto faz isso?

Aqui em Santo Antonio do Pinhal, de onde escrevo esse texto, gosto muito de observar uma família que no final do dia se reúne na varanda da casa e ficam juntos. As crianças brincam, os animais em volta observam, alguém toca um violão, outro alguém fala alguma coisa, e ficam juntos. Só.

Esses pequenos momentos fazem muita falta nos dias atuais. São quando aprendemos a habilidade de pausar, de desconectar e de assim, relaxar. Silenciar o mundo exterior e estar consigo, um pouquinho que seja, é muito importante para o bem estar mental e emocional.

Deixo a seguir um exercício para o caso de você querer praticar um pouco esse “fazer nada” mas esteja muito acelerado/a. Lembre: a sua mente, assim como um músculo, responde aos estímulos que você dá. Isso significa que você pode treinar para desacelerar quando quiser. E não vai custar nada além do seu tempo e empenho.

Exercício para desacelerar a mente

Você vai precisar de lápis (ou caneta), papel e privacidade (se der para estar com um pouco de sol em você é ótimo!). Deixe o celular de lado e silenciado durante esse exercício. Tire também o relógio caso receba notificações nele.

Como fazer:

Sente-se confortavelmente. No chão, em uma cadeira, onde preferir.

Feche os olhos. Comece a respirar só pelas narinas, concentrando-se na contagem do tempo: inspire contando até 4 ou 5, expire pelo mesmo tempo. Faça isso por alguns ciclos, logo esse ritmo respiratório se automatiza e vc perceberá a sua mente te apresentando vários pensamentos.

Anote-os. Anote todo e qualquer pensamento. Desde "esse exercçio está chato", até "responder o email tal". A ideia é tirar da cabeça e colocar no papel.

Depois de um tempo, perceberá que os pensamentos começam a se acalmar. Quando se sentir mais tranquilo/a, sinta o ambiente. Sinta os aromas, perceba os sons mais distantes. Conscientize-se melhor da temperatura, da sensação tátil do ar na sua pele. Fique um pouco aí.

Quando achar que deu, o exercício está encerrado.

Como bônus, além de uma mente mais tranquila você também leva uma lista para organizar os seus afazeres.

Juliana Bahia

Me apaixonei pelo yoga na minha primeira aula, lá em 2001. Depois de 13 anos sendo uma aluna dedicada decidi me formar instrutora pelo Método DeRose e migrar de profissão.
Gosto das coisas simples da vida: um bom café, livros, trabalhos manuais, meus cachorros, atividade física. Adoro música brasileira e lá em casa Caetano tá sempre na vitrola. Sou mãe do Leo e do Gabriel, meus tesouros da vida. Acredito que a prática de yoga é uma ferramenta poderosa que dispomos para nos ajudar a lidar com todos os desafios da vida moderna
Temas: 
Saúde/autocuidado/autoconhecimento
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