Palavra é mantra. Tudo o que falamos vibra no ar, e, como ondas vibratórias,
encontram ressonância ativando determinadas áreas. Nós não percebemos
facilmente essas vibrações e essa ressonância. É preciso estar muito atento e
sensível a tais percepções para notá-las. Mas não perceber não significa que não
esteja acontecendo, certo?
Essa é uma breve e resumida explicação de como os mantras do Yôga funcionam.
Podemos aplicar essa explicação para a força de qualquer palavra que sai de
nossa boca, seja ela em sânscrito ou em português. Por isso dizemos que palavra
é mantra.
Faz umas semanas o termo quiet quitting viralizou nas redes sociais. Eu nunca
tinha ouvido falar antes mas quando li sobre seu significado, a princípio, fiquei
muito animada: “finalmente estamos falando sobre isso!”. Depois, lendo e ouvindo
mais a respeito, fui percebendo que, apesar de o conteúdo ser bem atual e
necessário, o termo escolhido para transmitir a ideia secretamente induz a sua
imediata negação. Explico.
Poder traçar alguns limites para se ter uma vida profissional saudável não pode
nem minimamente carregar um estigma de ser pouco profissional ou
desinteressado. As pessoas querem e precisam trabalhar. Muitas também gostam
de trabalhar. Mas as pessoas também querem e precisam fazer outras coisas.
Quiet quitting, ou demissão silenciosa, traz a ideia daquele funcionário
desinteressado, preguiçoso, sem comprometimento. Geralmente uma postura
adotada por quem ser demitido mesmo. Por quem não se importa com o trabalho.
Então é lógico que esse termo será rejeitado assim como as atitudes relacionadas
a ele. As pessoas não vão nem falar sobre esse assunto porque o caso já se
encerrou no nome.
Mas é interessante observar que, quando tiramos a carapuça, é unanime o desejo
por muito daquilo o que o termo quiet quitting designa. Mais uma vez me deparo
com a situação “se sentar todo mundo numa sala e organizar direitinho…”
ninguém quer segurar esse pacote, pensamos logo que o problema é o conteúdo
dele. Mas o problema é o nome e não conteúdo.
Quando sintetizamos o pacote do quiet quitting em elementos como fazer apenas
o mínimo necessário, não ter proatividade na resolução dos problemas, se ater as
horas de trabalho combinadas, criamos, de fato, um comportamento de risco. Mas
quando essa contestação proposta é aplicada em um cenário no qual
unilateralmente não se observam os combinados, como por exemplo: o horário de
trabalho nunca é respeitado, as tarefas extras se acumulam perpetuamente e as
cobranças são abusivas e muitas vezes desmedidas, neste caso, o cenário muda.
O jogo se torna um pouco mais equilibrado.
Porque não querer sentir que é obrigado a responder mensagens de trabalho às 22
horas de domingo, ou não querer sentir medo de perder o emprego porque não
deu conta de priorizar no dia todas as prioridades (acho muito engraçado como
algo que deveria ser uma ou duas coisas no máximo facilmente vira uma lista de
umas 15) não pode significar que você quer se demitir. Traçar limites tem a ver
com escolhas, escolhas tem a ver sim com correr riscos, mas se um deles é estar
se demitindo, então esse termo só está escancarando uma lógica cruel do
mercado.
Entre tomar atitudes que podem transmitir a ideia de que vc não se importa,
quando isso não é verdade (quiet quitting) ou estar o tempo todo disponível para
sempre fazer mais e não conseguir se desligar até isso virar uma síndrome (burn
out), tem um monte de coisas que podem e devem ser feitas. A ideia é moderar o
desafio para melhor balancear a vida profissional e a vida pessoal. Não é sobre se
demitir silenciosamente mas sim sobre não pirar.
Trabalho é uma parte fundamental das nossas vidas e seguirá sendo. Mas dosar
melhor o protagonismo dele em nossas vidas é tão fundamental quanto.
A nossa própria cobrança interna molda a forma como percebemos as cobranças
externas. Pode ser que você esteja sendo mais duro com você mesmo do que
precise. Avaliar esse tópico é um primeiro passo bem importante para conseguir
equilibrar melhor a vida pessoal e profissional.
Tirar o estigma de "falta de profissionalismo" da atitude de traçar limites para
dosar melhor os lados é um bom segundo passo e algo que também começa com
nós mesmos, com os comentários e olhares que oferecemos ao outro quando o
vemos balanceando bem os dois lados da vida. Se você você tem um papel de
liderança em uma empresa, o seu exemplo pessoal e o apoio aos outros terão
ainda mais peso. Valorize quem entrega resultados e engajamento em um cenário
de conciliação saudável entre a vida profissional e pessoal.
O termo quiet quitting precisa se atualizar. O nome desta atitude precisa refletir
competência, organização, produtividade e a consciência de que todos temos
outros papéis que precisam ser desempenhados e são tão importantes
quanto.Precisa ser um nome que reverbere nas áreas certas para induzir a
atitudes condizentes com o resultado esperado.
Ah, mas não é assim que as coisas funcionam, Juliana. Verdade. As coisas por
enquanto não funcionam assim. Mas elas nunca vão mudar se não começarmos a
fazer diferente. A realidade é criada por nós. Lembrando Paulo Freire: “Nenhuma
realidade é assim mesmo, toda a realidade está aí submetida à possibilidade de
nossa intervenção nela.”—ou seja: “não é assim que as coisas funcionam” é uma
afirmação que você pode negar. E a negação começa na ação.